Rimas, falsetes e falseados e palavras que se confundem, se afastam e se juntam numa estrofe ou estribilho de um par de coisas ou coisa alguma

A Poltrona

Era a mesma poltrona, o sofá velho e limpo,
um rasgo, ou outro, ao contrário,
podia ser um charme, o tempo de outros ...

Ela sentava-se nele, com os óculos de míope,
um sorriso singelo que ao todo,
era inconfundivelmente brejeiro.

Não, ela não fazia por malícia,
– o aroma doce e inconfundível –,
a criação era de quem via.

Ela era a mesma, não precisava ser ninguém,
ela sorria e o mundo ficava diferente,
ela escrevia, e sua letra ganhava vida.

Mas, era tão bonita a criação,
que por mais que se quisesse,
o espelho sempre o olho atingia.

Ela gostava de se maquiar,
Depois tirava fotos de si,
semblante risonho,
e as vezes sério.

Que chatices você diz,
repetia ao ler os estribilhos.
Não são sertanejos,
lembrava os olhos de chuva.

Ele buscava inspiração,
nos trovadores e suas cantigas,
havia charme tal como o sofá;
da velhice e dos costumes.

Ao olho, era sempre elogiá-la;
o dela, dizer o quanto era ele chato,
ela não gostava de ser adorada
e mais...

“Seu falso!, não vem com essa” –
era a moda de palavras,
das mais racionais,
das mais práticas.

Que causa ao olho, espanto?,
não um mais é,
um amante audaz, que pena,
nem namorado, apenas;
o extraviado, foi o que restou.

Só alguém que diz
coisas chatas e falsas.
Feliz dia dos Namorados,
feliz dia dos teus anos,
tem apreço e um esquema.

Anos de vida, de desejo,
mesmo a chamar:
de “indiota”,
doido, feio e chato,
faça-se uma adoração.

Ela,
que se estica sobre aquele sofá,
que adora bombons de chocolate,
mas quando não tem,
prefere se servir do doce em colher.

E sempre a repartir,
a colher, o bolo,
a esquecer-se de quem,
o gesto pertencia,
era apenas singelo.

Sempre, sempre,
a cada colherada,
de repartir a doar.
Não tem como não amar,
mesmo que isso soe falso.

ao susurrar,
ao dizer,
au gritar
para todo sempre:
não tem como não te amar!

Mas, como hás de saber,
o te corrói quando,
não mais .
Era o preço do falso,
em que negar era amar.

Negar era amar sim,
tal um gosto de sapato,
retirado da caixa,
um cheiro de novo...,
você diz que ama.

Até que não haja mais,
o espaço em que dois cabem,
o que o deixava, uma sobra
e o sofá, para o espanto,
tornava-se demais apertado.

Tive Medo

Tive medo de esperar,
incongruente a tudo,
ao toque à noite,
insonias de silêncio.

Tive medo, à véspera,
ansiava o brado,
trompéis nas torres,
e o burburinho da gente.

As multidões em seus
percursos atonitos,
serpenteiam o que não
mais é para ser visto.

E o medo, o celular,
sobre a mesa está,
a esperar o primeiro,
grito da madrugada.

No estranho mundo,
apático de tudo,
rebenta-se aquele,
a que o medo tudo sente.

Tive medo quando não
podia negar, quando não,
acontecer era repertir,
o mesmo estribilho.

Tive medo do dia seguinte,
da mensagem, da voz,
das coisas claras,
do eco da memória.

O nundo que se espera

Há um canto, de onde se olha,
de cima e baixo, se desvela,
o contorno das formas
uma ideia, um mundo
[o qual se espera.

São às tardes festivas que se
aprumam ao ritmo da estrofe,
e nelas vivem as histórias
e fazem coro e alegria de todos
[tal como se devia.

Porque o que há no mundo,
além de seus problemas,
é achar aquelas alegrias,
e sorrir quando encontra-las;
o grande ter, a adoração.

O passarinho no galho,
o mais alto, o mais difícil,
o mais sublime, o mais
de todo o inesquecível,
é aquele antes, o do polso.

E depois, o canto.
O que há naquele silêncio
audíveis ao fundo,
quando há é um quê
de penas, de madeira e de vida?

Porque o que há no mundo,
quando há um tempo,
e a chuva ameaça cair,
é adoração de esperar,
a passageira felicidade.

Por entre a berma

A vida vira uma brecha,
um lance a qual se precisa
em todo instante agir,
mesmo quando não de sabe
o que lá encontrar.

Vago eu na vida instante,
um muro que sobe sobre,
e sobre o todo engole,
as bermas de todo sempre,
tal um mudo que fale.

Ele nem sempre é,
foi enquanto existia
através de um nome:
era a brecha que havia,
e seu lugar no mundo.

A berma das tardes de sons,
de gostos e sensações,
dos refrigerantes na mesa,
e do estoque na dispensa,
e tudo lá fazia sentido.

Agora, penso eu de lá,
a vida que me brechou...;
quando tanto se estreitou?
e a berma em mim esmagou?
E tudo era um faz de conta.

E tudo passou, até a berma;
a brecha nos meus olhos,
que pregam por agir,
mesmo quando não há
o tempo para ir.

A linha reta

Uma linha reta, não é 
mais que uma reta...;
um quadrilátero compacto
a traçar mais que o infinito,
nem tão infinito...,
que se finda em uma parede,
em ortogonal à reta. 

Pessoas em pé acompanham as 
[brechas;
escutam os compassos
do vagar dos passos 
em procissão carregando
as pesadas cruzes de lágrimas e 
[suor. 

Neste quadrado,
há sentar, alguém espera;
um banco encravado,
no piso cinzento.

Donde se olha os cantos,
procurando ângulos,
mais que perfeitos; 
o momento oportuno,
em que a linha intercepta,
e um vértice se formará.

Do bolso, se tira as horas,
e o tempo levanta, 
espraia-se, é chegada;
então há um pórtico;
o engaste preso ao chão;
rente aos sobressaltos,
dos passos que agora,
lhe batem as costas.

Alguém o segura,
alguém o larga;
alguém há de sentar, 
e põem-se a contar,
novamente, 
qualquer coisa,
que o faça ali estar. 

Pássaro noturno

Qual um cego feito pelo nome,
o latim de seu dito cujo assume,
nas cercanias noturnas da cidade,
olhos desideratos pela fortuna.

Por entre o breu, asas escuras
rastejam na terra, maculam os céus.
manchas aladas que perambulam
[em véus.
Platinadas formas movedouras,
que no sereno há de enegrece-las.

E, enquanto, os céus fechados trombeteiam
a vagem do errante sibila e desce,
quente como o inferno, ao tempo suplantam
o mascarado som dos ouvintes, e aquiesce
no domo que encobre a todos.

Da face o sentido suplica,
algo que corta os pelos escuros
de olhos vibrantes e sinistros
a alma da morte por ele que vaga
que engole o vento, os olhos e a carne.

Pássaro noturno, que a fornalha hás de fazer;
tornar-se nítido à imagem dos que te vêem,
que instante que seja por mais aturdido
ganhaste a fama dos que da noite vivem
e corroem os espíritos nos dias perdidos.

O que caiu

O soldado saiu da linha de formação,
quando recebeu a ordem,
não cumpriu-a, e largou seu fuzil,
o desarmou, enquanto os projéteis,
pelo chão caiam.

Quando o quepe caiu ao chão,
ele já deu as costas para o pelotão,
ele não pertencia mais aquilo;
para a honra e o dever,
o melhor era consigo mesmo ser.

Quando a derradeira folha,
o galho deixou,
onde foi parar seu verde
decompondo-se em terra,
até o fim de seu dia?

Onde os protestos, as adulações,
os festejos, os cortejos,
a sentença das pessoas felizes,
quando o seu dia chegar,
quando sua formatura, sua festa,
sua colação, o enfeitado agradecer.

Por Deus, pela família, pelo cachorro,
pela nora, pelo genro, pelos colegas,
a terra há de comê-los,
de endurece-los os sentidos,
de que um dia viveram por outros.

Ao viver e morrer,
a vida é uma incógnita.
Quem saberá o sabor de amanhã?
Outros virão, mas os atos...
estes ficarão nas atas e ofícios.

Ninguém seguirá o soldado,
mas sua consciência é limpa.
Ele é preso e humilhado,
mas ele não se sente assim,
ele fez o que fez, que mais
[importa?

Respostas

Alguém tentou e não conseguiu,
alguém caiu e não se levantou,
alguém desceu e não subiu,
alguém perguntou a resposta
[e não ouviu.

Quantos nãos alguém tomou,
para que um sim,
se viesse a receber?

Pelo sim alguém tentou,
alguém caiu e não subiu,
alguém foi e não se achou,
alguém perguntou e não entendeu,
alguém morreu e não viveu,
para que um não,
não viesse a receber.

Então, alguém, pensou um talvez;
pelo talvez, alguém ponderou,
alguém calculou e memorizou,
alguém duvidou e protestou,
alguém observou e imaginou,
para que as respostas,

um sim ou não,
viesse a receber.

O passarinho

O passarinho bica um dedo,
o que quer o passarinho?,
bica e bica, e o dedo não se move.

O passarinho bica mais uma vez,
e o dedo não responde.
A música é aflitiva, 
o som a estropiar. 
Mas o passarinho não a ouve,
e o dedo não responde.

O passarinho bica,
e o dedo é puxado,
de um lado a outro,
o dedo é molestado.
O dedo é intransitivo,
o dedo é de um condenado.

O passarinho insisti,
tenta levantá-lo; 
“larga esse toco passarinho”!
não vê que é de um defunto.
É só um pedaço de carne.

A música é insistente, 
outros passarinhos juntam-se,
cortejam o presente, 
não são insetos, ou larvas,
é um dedo, um toco, 
um semovente.

“Me ame” e me deseje

Bem me quer,
mal me quer...,
me ame hoje,
e me deixe amanhã.

Mas, me ame e me deseje,
enquanto sou sua,
só por um momentinho,
ainda que digo sim,
que gema, e grite baixinho.

Meu desejo é minha vida,
não vá se gabar com os teus,
partilhe comigo os sentimentos,
subjugue-me,
mas não me discrimine.

Estou cansada de ver,
o amor e o desejo,
indo contra mim;
de ter que chorar,
e disso ser minha faca,
meu porrete e hematomas. 

Bem me quer, 
Mal me quer...,
é verão,
quero uma rede,
na varanda,
quero deitar,
sentir seus dedos,
e em minha coxa roçar. 
me dê prazer,
e serei sua.

Mas, se não gostas,
do meu amor a ti,
se afaste, pois eu tenho,
e o guardo para mim,
pois quando envelhecer,
serei livre para recusar.

E daí, se te amo hoje?,
amanhã, amarei outro,
não quero sofrer por isso,
aliás, nem preciso.
Quero descobrir meu corpo,
com ou sem você.

Hoje, sou puta,
Amanhã vou a igreja,
na semana que vem,
quero ser cientista,
pesquisadora,
diretora,
chanceler,
imperatriz,
e nem você,
e nem os outros,
irão me impedir.

Pois, estou cansada;
de ver o amor,
e o desejo,
fugindo de mim;
se você diz que me ama,
me ajude a pegá-los.
Diz o que eu preciso ouvir.

Não se faça de leso,
Não brinque comigo,
me ampare,
quando falo contigo;
senão..., 
de desentendida,
far-me-ei.
Vá amar o cão, Satanás
com tuas desculpas,
e fique por lá.
Eu definitivamente
saberei, que de você,
nada preciso.
Vá pegar suas trouxas,
vou contar até dez,
quando terminar,
quero ver você,
longe de mim.

Apropriação cultural

Eis que alguém diz,
de uma época vintage, 
de Coco Chanel e espatilhos,
de corte simples e sutis,
de inglesas badaladas,
nos piqueniques burgueses,
de Charriot à Avignon
— alguém me explique a diferença —, 
de Riviera na lua de mel,
ou resort  nas férias,
que há uma aventureira,
em cada esquina, 
com seu charme e retoque,
com seu vestido, sua meia-taça,
sua mini-saia, seu poder,
seu trunfo e sua fraqueza. :

Eis que alguém diz,
onde ela está?,
onde foi?
Cadê ela?
A heroína da revista,
dos palcos, das vitrines;
preciso tanto do seu corpo,
da sua autoestima.
O que andas a procurar,
personagem enigmática
de mágoas e lutas? 

Eis que alguém diz:
nesta tarde onde o sol,
há de nos apanhar,
em algum dia de um ano, 
timbrado em uma nota,
uma cena de uma epopeia,
“eu quero me fazer diva,
lembrada até, 
no final dos tempos,
dançarei como Josephine Baker,
integrarei na Resistência, 
e lutaria por alguma causa;
falarei de amantes,
deitados na praia,
e reclamaria de suas pretensões,
o que há rapazes?,
não me podem ter,
todos de uma vez.;
quero ser de um,
a cada dia da semana,
e ter sábado e domingo,
apenas para mim”. 

Eis que alguém diz:
Isso é para mim?
Não precisava o incômodo,
tulipas são minhas preferidas.
Dê-me cá um abraço; 
vêm folgadão...
você não diz que estou assim...
sempre tristonha,
mas agora lhe pergunto.
cadê meus chocolates?

Eis que alguém diz:
sabe, a moda é francesa,
mon amour, cherri, oui...
ouço sempre falar isso,
se há charme, não vou negar, 
mas não precisa de afetação.
A França é tão longe, 
e nós tão pertos...
Quero te mostrar algo,
não faça perguntas;
feche os olhos.
E aí, como estou?

Você poderia sair assim...,
Escondendo seu corpo,
E atinando charme,
com esses olhos de odalisca, 
travessos e atinados;
diria aos homens, 
você não sabe o que tenho,
embaixo destes panos,
atreva-se a tirar...;
eu morreria de inveja,
expulsaria a todos,
enfeitiçados infelizes. 
Com o véu preso,
em seus cabelos,
não posso dizer
que a vontade,
é de arrancá-los,
como todo o resto,
só para descobrir,
que também, eu,
sou um dos enfeitiçados.

Cheiro de Incenso

Cheiro de incenso,
labaredas que transcendem,
o início de uma causa, 
o meio sem fim,
uma utopia,
uma nova aurora.

E o cheiro das cinzas,
mascaram o regozijo dos faunos, 
dos bosques misteriosos...
de um Woodstock.

Há fogo crepitando, e 
sutiãs são queimados;
era um gesto tão explosivo,
e agora se fez rio,
se fez bruma, 
se fez nada.

Mas as ninfas procuram,
eternizam-se na busca,
e o centauro delas foge.
Nuas, riem alto...
“Vou pegar você”!,
E o eco é sentido, 
por toda a floresta. 

“Há, há, há,
vocês não conseguem”. 
É um filme?, é um retrato.
Quanto tempo?
Aqui e ali há cheiro,
há carne queimando,
há vida morrendo,
há vida nascendo.

Ajuda

Preciso de ajuda.
Por que precisas de ajuda?
Todos precisam de ajuda.
Por que ajudar-te
significa mais
do que a ajuda ao outro?
O outro por acaso,
não precisa mais, 
dessa ajuda,
do que você?

É porque não sei,
a resposta para obtê-la,
se digo que preciso,
você diz que não preciso.
E a ajuda é uma luta
para ser conseguida,
entre um ouvinte
e um desvalido;
o que preciso, afinal,
era que o pedido,
não fosse preciso.

Mas, eis que preciso é,
preciso de ajuda;
se não precisasse,
não estaria pedindo,
seria então,
impreciso pedir,
e a ajuda, acomodaria 
o destinatário,
e o refrão da desigualdade
ecoaria arrabalde,
preso a um santo
da divina comoção.

Maldição, preciso de ajuda,
mas a ajuda não vem não.
Um pouco de fé precisaria,
e um unguentos para pústula,
mas a ajuda é só um caminho
a caminho ela tarda...,
e falha, enquanto a ode,
suplício é,
ajudai!
Ajudai quem não tem ajuda.

E a ajuda é um prato,
em que se luta
a faca e o garfo;
para que um,
vá a boca,
o outro precisa cortar,
entretanto é,
ambos precisam,
de mãos para trinchar.
A ajuda é um plural,
e uma tese de culinária.  

O pássaro azul

Qual a imagem que toma?,
um pássaro?,
asas azuis que espreitam,
no céu, a casa pela janela,
que olhos amarelos sentinelas
vigiam os passos? 

Dos que entram, entre as sombras,
haverá a imagem nos seus olhos,
a certeza de um caso,
o atroz momento de voar,
voar e atacar?

Vê-lo, não vejo, e vejo.
Ele me vê?
Na casa de janelas fechadas,
o vidro quebrado,
uma porta trancada,
um silêncio altivo e mordaz.

Sua permanência sisuda,
repousa em um vago cortejo,
asas fechadas,
e um frenético silêncio.

Que pássaros de asas azuis,
avista a noite e o dia,
com olhos amarelos sentinela,
como numa torre esguia?

Ele sabe o que vê,
na espera de algo
um momento oportuno 
de avançar ou recuar
numa precisa sintonia.

No sono, no cheiro das penas,
repousam na epiderme
a índole da ave
de uma floresta sombria.

Seu gorjeio é o silêncio,
a firme convicção do momento,
que azul avança
desfigurado por uma mancha
de um soneto consonante.

Que pássaro de asas azuis 
avança no ocaso sereno?
E seus olhos amarelo sentinela
saberá o que amedrontar?

Firme, é a espera do que acontece,
dois olhos, dois poços vazios,
uma carne sobre o alçapão
o fumo ardente de uma convulsão.

A ver o rosto incólume,
o espreito bico invade 
a certeza fome de carne,
o estupor embrulhado
de um braço ou mão estirado.

Que pássaro de asas azuis
devora o morto que o criou?
E seus olhos amarelo sentinela
verá a vida que lá então tivera?