Rimas, falsetes e falseados e palavras que se confundem, se afastam e se juntam numa estrofe ou estribilho de um par de coisas ou coisa alguma

O passarinho

O passarinho bica um dedo,
o que quer o passarinho?,
bica e bica, e o dedo não se move.

O passarinho bica mais uma vez,
e o dedo não responde.
A música é aflitiva, 
o som a estropiar. 
Mas o passarinho não a ouve,
e o dedo não responde.

O passarinho bica,
e o dedo é puxado,
de um lado a outro,
o dedo é molestado.
O dedo é intransitivo,
o dedo é de um condenado.

O passarinho insisti,
tenta levantá-lo; 
“larga esse toco passarinho”!
não vê que é de um defunto.
É só um pedaço de carne.

A música é insistente, 
outros passarinhos juntam-se,
cortejam o presente, 
não são insetos, ou larvas,
é um dedo, um toco, 
um semovente.

“Me ame” e me deseje

Bem me quer,
mal me quer...,
me ame hoje,
e me deixe amanhã.

Mas, me ame e me deseje,
enquanto sou sua,
só por um momentinho,
ainda que digo sim,
que gema, e grite baixinho.

Meu desejo é minha vida,
não vá se gabar com os teus,
partilhe comigo os sentimentos,
subjugue-me,
mas não me discrimine.

Estou cansada de ver,
o amor e o desejo,
indo contra mim;
de ter que chorar,
e disso ser minha faca,
meu porrete e hematomas. 

Bem me quer, 
Mal me quer...,
é verão,
quero uma rede,
na varanda,
quero deitar,
sentir seus dedos,
e em minha coxa roçar. 
me dê prazer,
e serei sua.

Mas, se não gostas,
do meu amor a ti,
se afaste, pois eu tenho,
e o guardo para mim,
pois quando envelhecer,
serei livre para recusar.

E daí, se te amo hoje?,
amanhã, amarei outro,
não quero sofrer por isso,
aliás, nem preciso.
Quero descobrir meu corpo,
com ou sem você.

Hoje, sou puta,
Amanhã vou a igreja,
na semana que vem,
quero ser cientista,
pesquisadora,
diretora,
chanceler,
imperatriz,
e nem você,
e nem os outros,
irão me impedir.

Pois, estou cansada;
de ver o amor,
e o desejo,
fugindo de mim;
se você diz que me ama,
me ajude a pegá-los.
Diz o que eu preciso ouvir.

Não se faça de leso,
Não brinque comigo,
me ampare,
quando falo contigo;
senão..., 
de desentendida,
far-me-ei.
Vá amar o cão, Satanás
com tuas desculpas,
e fique por lá.
Eu definitivamente
saberei, que de você,
nada preciso.
Vá pegar suas trouxas,
vou contar até dez,
quando terminar,
quero ver você,
longe de mim.

Apropriação cultural

Eis que alguém diz,
de uma época vintage, 
de Coco Chanel e espatilhos,
de corte simples e sutis,
de inglesas badaladas,
nos piqueniques burgueses,
de Charriot à Avignon
— alguém me explique a diferença —, 
de Riviera na lua de mel,
ou resort  nas férias,
que há uma aventureira,
em cada esquina, 
com seu charme e retoque,
com seu vestido, sua meia-taça,
sua mini-saia, seu poder,
seu trunfo e sua fraqueza. :

Eis que alguém diz,
onde ela está?,
onde foi?
Cadê ela?
A heroína da revista,
dos palcos, das vitrines;
preciso tanto do seu corpo,
da sua autoestima.
O que andas a procurar,
personagem enigmática
de mágoas e lutas? 

Eis que alguém diz:
nesta tarde onde o sol,
há de nos apanhar,
em algum dia de um ano, 
timbrado em uma nota,
uma cena de uma epopeia,
“eu quero me fazer diva,
lembrada até, 
no final dos tempos,
dançarei como Josephine Baker,
integrarei na Resistência, 
e lutaria por alguma causa;
falarei de amantes,
deitados na praia,
e reclamaria de suas pretensões,
o que há rapazes?,
não me podem ter,
todos de uma vez.;
quero ser de um,
a cada dia da semana,
e ter sábado e domingo,
apenas para mim”. 

Eis que alguém diz:
Isso é para mim?
Não precisava o incômodo,
tulipas são minhas preferidas.
Dê-me cá um abraço; 
vêm folgadão...
você não diz que estou assim...
sempre tristonha,
mas agora lhe pergunto.
cadê meus chocolates?

Eis que alguém diz:
sabe, a moda é francesa,
mon amour, cherri, oui...
ouço sempre falar isso,
se há charme, não vou negar, 
mas não precisa de afetação.
A França é tão longe, 
e nós tão pertos...
Quero te mostrar algo,
não faça perguntas;
feche os olhos.
E aí, como estou?

Você poderia sair assim...,
Escondendo seu corpo,
E atinando charme,
com esses olhos de odalisca, 
travessos e atinados;
diria aos homens, 
você não sabe o que tenho,
embaixo destes panos,
atreva-se a tirar...;
eu morreria de inveja,
expulsaria a todos,
enfeitiçados infelizes. 
Com o véu preso,
em seus cabelos,
não posso dizer
que a vontade,
é de arrancá-los,
como todo o resto,
só para descobrir,
que também, eu,
sou um dos enfeitiçados.

Cheiro de Incenso

Cheiro de incenso,
labaredas que transcendem,
o início de uma causa, 
o meio sem fim,
uma utopia,
uma nova aurora.

E o cheiro das cinzas,
mascaram o regozijo dos faunos, 
dos bosques misteriosos...
de um Woodstock.

Há fogo crepitando, e 
sutiãs são queimados;
era um gesto tão explosivo,
e agora se fez rio,
se fez bruma, 
se fez nada.

Mas as ninfas procuram,
eternizam-se na busca,
e o centauro delas foge.
Nuas, riem alto...
“Vou pegar você”!,
E o eco é sentido, 
por toda a floresta. 

“Há, há, há,
vocês não conseguem”. 
É um filme?, é um retrato.
Quanto tempo?
Aqui e ali há cheiro,
há carne queimando,
há vida morrendo,
há vida nascendo.